sábado, 25 de setembro de 2010

De tarde nunca é tarde

Ela nunca tinha achado tão chato ficar sozinha em uma casa sem nada para fazer. É que aquela não era a sua casa e todos de lá estavam em uma capela ali em frente, em um velório e logo seguiriam para o enterro.
Trabalhava para a filha da finada e naquele dia ficaria na casa para atender ao telefone ou alguém que chegasse.
Pela primeira vez não sentiu medo de ficar sozinha na casa de um defunto; pelo contrário, estava entediada de não ter nada para fazer, já que ninguém chegava e para não dizer que o telefone não tocou, uma única pessoa ligou: Era um senhor de voz baixa, meio atrapalhada. Era irmão da finada e se desculpava por não ter ido ao velório/enterro.
A rua começou a ficar bem movimentada, de dentro da casa se ouvia vários carros buzinando. Era hora do enterro.
Decidiu sair e olhar da calçada as pessoas seguirem para o cemitério. Abriu a porta e olhou para a esquerda e para a direita e quando olhou para o centro, em frente à casa, encontrou um olhar simples, mas tão bonito... Olhava profundamente, como se estivesse a fitando desde que abriu a porta.
Ele trabalhava para o irmão da sua patroa e assim como ela, estava ali à toa, apenas tentando ser útil em um momento difícil para quem os empregava.
Dois jovens se passando em um velório. Ela, pelo menos, teve sorte de poder ficar dentro da casa, sem ter que fingir tristeza para desconhecidos.
Corou ao encontrar o olhar dele bem em sua direção.

Um corpo moreno em cima de uma moto negra.

Seu coração disparou ao mesmo tempo em que suas pernas para dentro da casa. Nunca soube lidar com olhares, sempre fugia deles (talvez por isso ainda estivesse solteira em plenos 20 anos, não sabia mais nem como reagiria a um convite de um par de mãos dadas.). Foi até a cozinha e encheu um copo com água, que não bebeu. Ficou pensando nele que ela observou o velório inteiro da calçada e que parecia nem ter notado ela. Sentiu vontade de abrir a porta e convidá-lo para entrar, já que ambos estavam na mesma situação: Se passando.
Mas quando foi lá fora ele já não estava mais lá, ninguém estava mais lá, a rua estava vazia como num dia de domingo.
"Parece que passei tempo demais pensando" Pensou.
Era tarde demais para um começo. Ela tinha se apaixonado por alguém que ela só queria olhar. Passou a tarde inteira imaginando como seria se ele tivesse entrado. Teria lhe contado sobre o seu sonho na noite anterior, onde nele ela tinha uma câmera fotográfica antiga, daquelas que a foto se revela na hora. O sonho era uma reação de um filme que tinha assistido antes de dormir: "Dois dias em Paris"
Se naquele momento ela tivesse uma câmera daquelas, e se ele estivesse ali com ela, teria tirado uma foto dele para nunca se esquecer por quem se apaixonou em um velório. Pelas coincidências e pelos olhares, que era o que mais lhe importava.
Não estava triste, tinha se apaixonado por um dia e sido correspondida por alguns segundos de olhar, que é melhor do que nada.

No dia seguinte estava distraída escrevendo sobre isto na loja quando apareceu alguém pedindo para pôr crédito em seu celular. Como sempre, nunca olha no rosto dos clientes (e de quase ninguém). Anotou o número, perguntou o valor e quando foi entregar o comprovante, as mesmas mãos que pegaram o papel tocaram suas mãos, ao mesmo tempo. Sua primeira reação foi se afastar (pra variar) e quando levantou a cabeça, aqueles mesmos olhos que ontem a apaixonara, hoje lhe sorriam, de forma convidativa. Ou avisativa:
"Nós continuaremos a nos ver"


Daiane Lopes 24/09/2010

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Folia em mim

De todas as formas de viver que já experimentei, a mais difícil foi aquela da qual eu sempre fugi: Eu, eu de verdade, o eu que pulsa e não se expulsa.
Não gosto dessa mudança de humor de um minuto para o outro, destes excessos de sentimentos por uns, e a falta deles por mim mesma.
Eu me irrito demais com as pessoas porque gostaria que elas fossem como eu sou. Gostaria que prestassem mais atenção nos outros, que esquecessem um pouco de si mesmos para fazer alguém feliz(e se sentir assim, feliz!).
Deus um dia me apareceu e disse: - Toma(me empurra)! Cai e vê se acorda pra vida, menina da lua!
Eu acordei, mas não deixei de sonhar.
Ainda fico no canto do quintal, jogando meus botões uns contra os outros tentando entender certas coisas.
Quando é que você(pode ser vocês, sei lá) vai entender que... tá, amanhã pode ser tarde demais?!
Venha cá, me abrace, abra a boca do seu coração e diga tudo o que sente!
Se eu falo demais é porque escuto de menos.
E aí eu me odeio porque sinto inveja das pessoas serem tão iguais e se entenderem assim e eu não.
Me procure e converse comigo, mas não me venha com indiretas que eu sou toda torta!